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imagens da vida e da arte

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Imagens da vida e da arte senegalesas

Visitar o Senegal foi chegar mais perto das coisas que venho estudando e teorizando. O aeroporto Leopold Sedar Senghor foi a conexão entre os nomes gravados na memória de pesquisadora e os locais avistados.
A prática mostrou que as referências bibliográficas se transformam em pontos da cartografia dessa cidade que conta sua história a cada esquina, praça e muro grafitado.
O burburinho de vendedores e taxistas transforma a chegada em ruidosa festa. Estou em África, estou feliz
com essa viagem oportuna por terras que me permitem ler além da literatura.

Circular por Dacar requer diálogo. A arte da negociação é exigida a cada entrada em um táxi, a cada compra e no trânsito sem sinalização. Aliados no perfil da maioria, o islã e a tradição africana moldam uma silhueta peculiar aos homens e mulheres senegales. Sapatos, bolsas e acessórios que circulam pelas metrópoles de todo o mundo viram acessórios de roupas tradicionais. Com o Fórum Social Mundial a mistura se intensifica, outras indumentárias e másacaras entram em cena, nessas terras onde prédios de inspiração francesa convivem com as mesquistas muito frequentadas, situadas em Avenidas e ruas por onde circulam grandes carros japoneses.
Para o turista, Dacar é assim: pimenta nos olhos, sem refresco. Muitas cenas disputando atenção. Aliás, gastronomicamente, falando, pimenta está até no refresco de gengibre que acompanha refeições igualmente picantes. E lá se foram dez dias temperados por novos saberes, aquecidos pelo café Touba e regados a muitos Bissaps e Ananás.
Mas, nada disso foi tão ardente quanto passar pela ilha da Gorée, onde se sente na pele o frio que assolava aqueles que esperavam a travessia na condição de escravo. O vento canta triste em frente aquele mar bonito, cujas àguas geladas sepultaram tantos corpos impróprios para a escravidão. Cada canto da "maison des esclaves" faz o olho marejar. O frio é fato, o passado é feio e as correntes expostas ainda possuem elos resistentes.
A memória registrada na Gorèe é forte e contrasta com as cores vivas usadas nos casarios, no artesanato e nos souvenirs vendidos por lá e que representam a capacidade dos habitantes em produzir beleza. No discurso de alguns moradores, é tempo produzir outra imagem para a ilha, superando o passado, dissociando o local dos fatos sombrios e esquecendo as mágoas e marcas provocadas por um passado inesquecível.

Livre, porém nada leve, atravesso ode volta para o cais. A percurssão da roda de "djembe" fica ecoando nos ouvidos, exorcisando a mágoa suscitada pelo reconhecimento de um dos locais do nosso holocausto. Lancha cheia, cabeça idem. Atraco no porto, mas a viagem continua. O táxi negocia passagem com os muitos importados, o som do corão embala a corrida, da janela avisto os prédios que se multiplicam, as baladas sinalizadas com luminosos, os trabalhadores da zona portuária e tantas evidências de uma desigualdade social que assinala uma forma de escravidão presente e globalizada.

Regressar do Senegal é trazer na bagagem muito pano para manga, roupas, textos e diálogos que ajudem a (re)conhecer partes da história africana, a partir dos quais podemos coser a retaliada história da diáspora negra.

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