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imagens da vida e da arte

terça-feira, 19 de janeiro de 2010







Avatar: o passado contra-ataca.

Para começo de conversa usarei a frase de James Cameron sobre seu trabalho inovador em Avatar: isso é algo que não se tinha visto antes. Realmente, é essa ação inovadora de animar personagens vetoriais com expressões humanas, ainda inédita, a responsável por atrair um público recorde aos cinemas de todo o mundo.

Os que já viram na tela o trabalho de Cameron e equipe hão de valorizar a atual reprodutibilidade de possibilidades técnicas como algo que revigora a magia do velho cinema, junto a uma nova geração que já é habitué da computação gráfica. Dito isso, já estou dialogando com Benjamin e outras figuras desse universo cheio de conceitos que tem me servido para pensar a cultura. As possibilidades de uma leitora mais teórica da obra hollywoodiana são inevitáveis para alguém que tem comido teoria e arrisca uma pausa para comer pipoca e ir ao cinema. Prometo reconhecer que a hora é de diversão, portanto maiores viagens teóricas ficarão para um artigo a ser escrito como parte dos estudos culturais e africanistas.

Mas, é como estudiosa das africanidades que a observação do historiador Hayden White sobre a ligação entre ficção e realidade despertou meu interesse como caminho para pensar o roteiro desta ficção futurista. Mais que os efeitos e feitos tecnológicos, foi essa ligação do roteiro com as histórias e culturas africanas o maior atrativo do filme.

É por (re)criar um povo futurista cuja imagem, história e cultura tomam de empréstimo algumas realidades africanas que o filme apresenta ao público mais jovem algo que muitos deles ainda não tinham conhecimento. Aliás, são histórias e culturas que ficaram apartadas dos conteúdos das escolas por onde passaram minha geração e as anteriores. Por isso, acho irresistível e oportuno falar do que pude identificar de africanidade no filme, após esse curto percurso de estudos. E, certamente, é pelo contato com um modo africano tradicional de ver o mundo que a indesejável certeza de estar mais velha, dá lugar a um orgulho de poder ser a “mais velha”, portanto aquela que tem sabedoria para apontar alguns elementos que pode mostrar que o povo de Pandora, criado nessa ficção futurista, se relaciona com a natureza de forma muito semelhante à existente no passado de muitas sociedades africanas. Prova disso é o culto à árvore dos ancestrais, bela cena tranposta abaixo.

A reverência dos personagens futuristas à grande árvore é uma recriação da importância de baobás, imbondeiros e outras árvores ligadas às crenças de povos africanos. Menção direta ao culto à natureza, valorizado em ritual semelhante realizado no candomblé. Em Angola, por exemplo nas culturas mais tradicionais, o imbondeiro é tido como intermediário entre Deus e os homens, tal como acontece com a árvore existente em Pandora, fictício local do filme, no qual a ligação com a ancestralidade é tão reverenciada quanto nas sociedades tradicionais. E, cabe dizer que, desde o passado, são inúmeras as formas de utilização que os africanos fazem destas árvores simbólicas, nas quais se abrem buracos no interior do tronco para armazenar água ou alimentos, além de sepulturem seus mortos. E esse dado cultural vindo do passado é algo ainda presente, como mostra a imagem clicada por um amigo, atualmente, em viagem férias e de passagem pelo Sengal.


Bem, esse é o tipo de filme que dispensa recomendações: antes de qualquer comentário todos já queriam vê-lo. As dicas servem para ajudar o olhar a ir além do show tecnológico e apre(e)nder conhecimento sobre um passado no qual Cameron parece apoiar-se para conceber, através de seus humanóideis, uma visão de futuro que toma por base sabedoria e visões de mundo que permaneceram ignoradas por muito tempo, sofrendo uma constante depreciação diante da ciência utilizada pelos humanos na construção dos impérios contemporâneos que comandam tempos cada vez mais distanciados do humanismo.

7 comentários:

  1. (Transposto do email)

    Boa noite!
    Lido o texto, pena que não posso comentar muito porque não vi o filme. Mas pela sua leitura, pelas propostas de dálogo que faz, urge que seja visto.
    Vou correr atrás do preju.
    Continuação de boa semana. Obrigada pela dica.
    Beijocas.
    Augusta Évora

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  2. Simone, assisti ao filme e gostei muito também. Nós identificamos de imediato relações entre o planeta Pandora e sociedades africanas tradicionais. As árvores sagradas, como você lembrou bem, são representadas lindamente no filme. Pra mim, uma das coisas que marca é o sentido da expressão: "EU VEJO VOCÊ." O homem moderno tem cada vez mais perdido essa capacidade/sensibilidade de ver o outro, o mundo ao redor, e saber que tudo está interligado.
    No filme, o avatar Jakesuly é aquele que traz um poder divino e salva a comunidade, mas também são todos que ali estão, cada um é um "espírito avatar". Lendo "A cultura tradicional banta", do Altuna, um dos pontos destacados é exatamente a ideia da união vital. Ele cita Senghor: "Todo o universo visível e invisível - desde Deus até ao grão de areia, passando pelos genios, antepassados, animais, plantas e minerais - está composto de "vasos comunicantes", de forças vitais solidárias, que dimanam de Deus". (p. 53)
    É todo o filme Avatar, não é? E os cabeços dos avatares não são vasos comunicantes?
    ..Me deu vontade até de assistir de novo.. em 3D, que é sensação tripla..rs

    Abraço avatar, Si,

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  3. Simone, querida,

    Eu estou indo assistir ao filme nos próximos dias (só em 3D), mas já vou cheio de expectativas. Todos dizendo que é um filmaço em termos de efeitos visuais. Li uma crítica dizendo que é um filme foda, mas profundamente racista, paternalista etc. (http://www.interney.net/blogs/lll/2010/01/11/avatar_1); outros dizendo que tem tudo a ver com meio ambiente - e agora você, mostrando que eles fazem a ponte com as sabedorias africanas!

    Minhas impressões em breve, também.

    Beijos,
    Rafael.

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  4. Cláudia,

    bom ter vc por ak, saudade! Com todos que tenho falado, sigo essa idéia de despertar para a percepção desses elementos que nós já conhecemos e buscamos valorizar. Vejo que vc tb achou muito pano pra manga... E a grande extensão de tecido nos permite fazer mais que uma manga. rs
    Que tal um artigo inteiro, feito a quatro mãos e para abrir um ano de escrita farta, com muitas publicações colhidas? Bjks

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  5. Rafa,

    vou dar uma lida na crítica. Realmente há esse lado, sim. É o habitante do império que aciona boa parte da ação e reação... Mas, se é disso que a crítica fala, há que ser pensando que a é obra feita por pessoas que, como este personagem, estão fora daquela cultura. Questão de ponto de vista...

    O legal é uma frase ouvida no filme: " se quer conviver com eles tem que entendê-los". Na ampliação desse entendimento do "outro" o filme pode ajudar.

    Boa sessão!!

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  6. mais uma enviada por email:

    Si,
    Já ia mesmo ver o filme, mas agora vou correndo. Adorei o que vc escreveu. Tentei postar um comentário, mas não consegui. Na verdade eu sou zerada mesmo no computa. Por enquanto, só sei digitar textos academicamente perfeitos, segundo a ABNT.
    Mas assim que a banda passar, digo, a tese passar...
    Bjs e saudades!
    Shirlei Victorino

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  7. Surpreendente a tua análise lítero-imagética! Já amo suas escrituras desde o instante em que o mestrado adentrou em nossas vidas acadêmicas. A ancestralidade em AVATAR remete-nos a um universo novo e antigo simultaneamente. Parabéns! Jasanf.

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