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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Dezembro: luzes no céu do Rio de Janeiro

Dezembro chegando, clima de Natal e helicópteros no ar; gente acreditando no Papai Noel e na cidade pacificada. A mídia transformou o dia 25 de novembro em dia histórico na luta contra o tráfico, e na conquista de pontos do ibope. A invasão do Complexo do Alemão possibilitou imagens em tempo real da ação das forças armadas e da fuga de um exército paralelo, também armado.
Na noite desse dia de guerra, enquanto o filme de ação garante picos de audiência para as TVs e para a eficiência do governo carioca, espaços desprovidos do pesado policiamento deslocado para a Penha começam a temer a possibilidade de acolher os rapazes banidos da Vila Cruzeiro e empenhados em fugir do cerco da polícia e da imprensa. As forças armadas fecham as vias públicas, mas, as vias escondem acessos que permitem fugir ao cerco e driblar um oportuno descuido de alguns sentinelas.

A estratégia policial definiu o 26 de novembro como dia de rendição, porém o que houve foi evasão. Militares entram numa comunidade já desocupada por lideranças do poder pararelo. Soldados atiram intensamente, até que, aos poucos, os tiros cessam, as tropas avançam, encontrando muita munição, armas, drogas e bens deixados pelos retirantes. Cada apreensão é festejada e exibida como prova da vitória. A conquista do território inebria, ninguém quer falar no triunfo dos "perdedores" que concretizaram fuga, apesar do aparato bélico concentrado naquele ponto da Zona Norte.

Cariocas que vivem a realidade de uma cidade longe de ser pacificada sabem que, com escassas prisões, o evento divulgado como libertação da comunidade do Alemão foi apenas um movimento de desarticulação de um ponto simbólico no poderoso ramo do comércio de drogas. Como já ocorreu em outros episódios do péssimo jogo de estratégias oficiais, a nuvem de homens saída da Penha vai pousar e se articular em outro lugar, por isso é provável que a paz local resulte em barulho em outras comunidades, para onde migraram inusitados visitantes, personas incompatíveis com o clima de festa alardeado pela imprensa. A partir do dia 26 o momento se torna complexo fora do Alemão e do raio de visão da mídia. O esperado enfrentamento tornou-se cena para próximos capítulos...

Pacificações de locais isolados são muito eficientes para a projeção do esforço governamental. Porém, as doze Unidades de Polícia Pacificadora estão longe de garantir a “pacificação” de modo uniforme. As UPPs não cobrem toda a grande cidade: muita gente sabe e sente essa falta de cobertura. Até o momento, o Centro possui uma unidade, a zona sul foi privilegiada com quatro, a zona norte ganhou três e na zona oeste existem apenas duas.

Por conta dessa distribuição, moradores da zona oeste se mostram apreensivos com a delicada situação da região que vive o paradoxo de ser a maior da cidade e ter o menor número de unidades pacificadoras. Formada por 42 bairros, no interior dos quais surgiram muitas comunidades, nesta região está concentrado o maior número de habitantes. Outra antítese habita essa periferia super povoada: a rarefeita presença de forças pacificadoras para uma imensa concentração de comunidades e possibilidades eminentes de conflitos. “Fronteiras” abertas, Zona Oeste e Baixada Fluminense vivem a imigração e tomada de territórios, nos quais se edificarão novas fortalezas das velhas organizações criminosas. Distanciados dos espaços periféricos, os governos cariocas repetem a lógica, celebrizada por Pereira Passos, de organizar o centro varrendo a desordem para a margem.

Para os que olham a cidade do litoral, a contemplação do mar tão cantado da cidade maravilhosa permite um aprendizado cotidiano. O vai e vem das marés mostra que o material posto à margem é tragado e misturado ao mar. Essa lição pode ser vista ao vivo. Mas, é visível que os sucessivos governos e comandantes da segurança pública carioca a ignoram, dando continuidade ao recurso de engrossar a desordem marginal com ações concentradas em alguns espaços e que trazem um alívio breve como a espuma branca que some na areia marginal.

Dezembro chegou. Eles fugiram, a audiência caiu... Câmeras e militares ávidos encontram apenas rastros do bando de fugitivos, responsável pela cena "histórica" da cobertura. A falta de enfrentamento deixou um vazio na pauta da transmissão da chegada da "elite" das tropas ao Alemão. A expectativa de cenas de ação à capela, transmitidas em rede nacional, foi frustrada. Restou ao jornalismo verdade eleger "heróis" que atuaram na guerra, com ou sem farda. Superadas as barricadas, as equipes captaram imagens do contraste entre os muitos barracos e as poucas fortalezas, mostrando que na comunidade ou no asfalto, a desigualdade se tornou marca do Rio.

Não existe cerco suficiente, assim como não existe Papai Noel. O helicóptero sobrevoando o local da fuga lembrava a cena marcante na infância de muitos cariocas que viram Papai Noel descer no Maraca, as armas projetadas para fora até lembravam a bengala do bom velhinho, e os militares que lá estavam se comportaram como tal: sem tiros, sem violência; só contemplação. A força bruta seria exibida em caráter privè, longe do alcance das câmeras, sendo denunciada depois por moradores e garantindo o day after da imprensa.

Depois das muitas horas com transmissões e helicópteros no ar, as emissoras mudam a estratégia. A telinha exibe imagens de geladeiras, notebooks, motos e outros itens adquiridos pelos traficantes; presentes que muitos queriam ganhar no Natal... Porém, para a maioria a festa será feita com presentes mais baratos e em meio àquele cerco formado por família e amigos.
A verdade mostrada e não dita é que, embora alguns laranjas tenham sido presos e exibidos como saldo do “independence day” carioca, os líderes do crime estão bem protegidos e refugiados nas fortalezas, fortes e quartéis distribuídos pela cidade. O investimento na tática bélica não garante a virada propagada; muito menos as cenas de contato amistoso entre moradores e policiais sinalizam uma situação cotidiana: todos esses fatores são exceções. A regra continua, e seus comandantes estão livres para outras articulações e organizações que visem ao lucro.

Criativos e preocupados (!) com o bem estar geral da nação, os meninos abastados da computação gráfica criaram um jogo e, negando objetivos violentos, permitem que todos "brinquem" com a fuga e dêem vazão a um inaceitável desejo de extermínio manifesto no discurso de alguns habitantes da cidade. Ideias sérias em jogo no brinquedo da Web. Acertar o alvo visível e exterminá-lo desponta como solução mágica entre os jogadores-comentadores.

Diante desses bizarros jogos e táticas da guerra nossa de cada dia, armar a árvore de Natal é boa técnica para desarmar corpo e mente. Governo e imprensa apostam nisso, criando grande visibilidade para a árvore gigantesca armada na Lagoa Rodrigo de Freitas. Olhos voltados para o litoral, cariocas admiram a maravilha de cenário. Soldados nas ruas emprestam um toque “quebra-nozes” ao cenário. Após os traçantes e helicópteros, todos querem ver outras luzes enfeitando o céu do Rio, de dezembro a janeiro.


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