KIAFUNHATA

imagens da vida e da arte

domingo, 5 de setembro de 2010

Diversidade, resitência & resiliência


A palavra resiliência chegou aos meus ouvidos no começo da semana passada. O termo, raro na linguagem cotidiana, chamou minha atenção. Fuçando sobre ele, verifiquei tratar-se de um conceito da física que consiste na propriedade que alguns materiais apresentam de voltar ao normal depois de submetidos à máxima tensão. Portanto, a palavra traduz o processo que estou vivendo ao tentar voltar ao normal depois de tanta tensão nos últimos meses.

Como fruto dessa tentativa, no sábado, 04 de setembro, voltei à Lapa. Declarada minha independência da escrita dissertativa, vi a(s) cara(s) da noite. Num palco armado sob os Arcos, dei de frente com a abertura da 1º. Primeira Reunião da Diversidade - Independência da Cultura. Diante dos meus olhos, a dança Toré apresentada por integrantes do povo Pankararu (SP), o jongo do Quilombo São José (RJ), o bloco Ilú Obá de Min (SP) e suas percussionistas, clicados na foto acima. Para encerrar, a associação de Sambadeiros e sambadeiras (BA) sobe ao palco e a batida do samba de roda promove o encontro real da diversidade. Convidados do evento, em sua maioria de outros estados; alguns de outros países, cariocas e gringos frequentadores da Lapa, todos entram na dança. O mesmo ritmo embala diferentes gingados de corpos que fazem o palco de madeira tremer. Sob meus pés, vejo que o compensando vive a resiliência, voltando ao estado reto após vergar sob o peso da nossa alegria dançante.

No domingo, após a festa aberta ao público, consigo me fazer convidar e, crachá no peito, nome estampado e sorriso aberto, ingresso na Fundição Progresso. Um dia de regalias se abre para quem adentra esse espaço vip, onde exposições teóricas antecedem a noite de dedicada à apresentação artística de trabalhos que simbolizam a diversidade cultural.

Reunidos na Fundição, representantes de povos de terreiro, integrantes de comunidades quilombolas, participantes do movimento hip hop de São Paulo, e também do hip hop indígena, comandado por Brô Mc, enfim, muitos exemplos daquela imagem de resiliência construída pela psicologia e que serve para explicar a capacidade de lidar com problemas, superá-los e até de se deixar transformar por adversidades. Uma jovem vinda de comunidade quilombola do Vale Dramani – zona rural de João Pessoa, é a mais perfeita tradução deste processo. Ela nos traz um relato sobre a prática do Projeto Griô, cujo objetivo é transmitir o saber popular para novas gerações de brasileiros, quilombolas ou não.

O dia é de testemunhos, por meio dos quais se pratica a troca de experiências. Oito salas acolhem participantes que abordam questões de gênero, comunicação e educação em contexto de diversidade, transmissão de saberes tradicionais e temas para todos os gostos. Degustados esses saberes, chega a hora de provar os sabores postos à mesa pelo requintado Buffet. Hoje come-se bem e com diversidade no cardápio: salve Minc, salve o maitre!

Após o almoço, sobremesa e café: continuam as falas e relatos de vivências. Na sala oito ouço representantes de povos de terreiro, um belo canto de capoeira entoado pela voz resistente de uma mãe de santo de Xapuri, local onde a intolerância religiosa é extremada. Neste cenário, uma jovem atriz e educadora da baixada fluminense/RJ fala sobre a mulher no sistema educacional e repete a palavra resiliência. Então, começo outra semana no embalo desta palavrinha de significados diversos. As drags, cadeirantes, deficientes auditivos, índios e tantas outras diferentes gentes ali reunidas ilustram os traços da pessoa resiliente descrita pela psicologia como aquela que não se abate com facilidade, enfrentando a adversidade sem deixar abalar seu humor. Terminam as “rodas de convivência” do dia. As salas se esvaziam: o jantar está servido para quem ainda tem fome após o almoço de 13h e o lanche de 16:30h. Devidamente fortalecidos de alimento e idéia, a noite é nossa.

No palco externo, a grande família que forma o grupo Carroça de Mamulengo é mestre de cerimônia da noite e convoca a Cia Gira Dança(RN), que tem dois cadeirantes no elenco. Dançar para resistir e resistir para não dançar, eis a lição do Maracatu Piaba de Ouro (PE) e da Irmandade de Carimbó São Benedito (PA) .

Brasileiros que somos, dançamos para resistir. Cariocas que sou, não resisto à dança. Aos poucos as arquibancadas se movimentam no compasso do Carimbó. O passo requer mais espaço, o público ganha o palco. A noite ganha a alegria de diversas idades vibrando e transformando o compensado no mais resistente pau-brasil.

Deixo aqui duas dicas coletadas no evento. A primeira é o site da documentarista Renata Meireles, no qual estão disponibilizados filmes sobre a "cultura da infância" e as diferentes formas de construção de brinquedos. As formas de produzir e brincar com o pião em diferentes regiões do país rendem um curta interessante: http://www.projetobira.com/. A dica número dois é o blog do grupo MATÉRIA RIMA (SP), que em suas letras de hip hop procura auxiliar na fixação de temas integrantes do currículo escolar. Passeando pelo blog desses rapazes, aos quais assisti no encontro da diversidade, dei de cara com uma letra que fala sobre brincadeiras tradicionais que resistem ao tempo. Vozes jovens repaginando o exercício griô, propagando saberes tradicionais e fixando conhecimentos. Confiram: http://materiarima.blogspot.com/

3 comentários:

  1. Estive aqui, li e gostei. Este teu tom leve e "brejeiro" de contar sem maçar, e colorir, nas palavras, as coisas me levou para longe, ao tempo e lugar das noites cariocas de cultura e afeto.
    Mantenhas da Praia:
    Guta Évora

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  2. Que bacana, Simone! Não fiquei sabendo desse evento não...uma pena! Texto muito bacana!
    Que bom que vc pode participar disso tudo! Que bom também que vc pode relaxar depois de tempos árduos! hehehe...Ah, nunca é demais repetir: PARABÉNS pela bela defesa! E boa sorte nos próximos passos da sua caminhada! Espero poder encontrar contigo por aí...
    beijos.

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  3. Obrigada pela presença, nota e foto do Ilú Obá no seu artigo.

    abraços de Sampa

    Baby Amorim
    Ilú Obá De Min

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