KIAFUNHATA

imagens da vida e da arte

quinta-feira, 14 de março de 2013

Abdias Nascimento, Carolina Maria de Jesus e Dia nacional da Poesia: celebrações de 14 de março!



Reunidos pelo evento Poeme-se, autores e público presentes ao espaço cultural da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro celebraram o dia nacional da poesia com falas sobre o fazer poético, declamações e uma breve homenagem ao poeta performático Éricson Pires.

A abertura contou com os poetas Clauky Boom (Poeta e coordenadora do movimento Por um Rio Capital da Poesia); Daniel Rolim Rocha (professor na Casa Poema); Thereza Christina Rocque da Motta (Editora Ibis Libris, coordena o Sarau Ponte de Versos/RJ); Otávio Júnior - Livreiro do Alemão (idealizador e realizador do projeto Ler é 10 – Leia Favela/RJ) e Marina Mara (poeta multimídia idealizadora do Sarau Sanitário, Declame para Drummond, Parada Poética RJ / DF).


A seguir, conversa moderada por Écio Salles (FLUP) reuniu João Corujão e Sergio Vaz que resumiram suas trajetórias iniciadas na periferia e, em muitos pontos, semelhantes ao percurso de Carolina Maria de Jesus e Abdias do Nascimento, ambos nascidos neste dia 14 de março e implicados com as dificuldades editorais enfrentadas por todos os autores e enfatizadas naqueles oriundos de famílias pobres.
Amparado em sua figura carismática e bom humor, João Luiz de Souza contou como sarau e poesia tornaram-se responsáveis por episódios de protagonismo vivenciados por ele a partir dos 10 anos, quando organizou seu primeiro sarau. Com admiração, o público ouviu o autor e assessor cultural conhecido como João do Corujão relatar a vasta experiência profissional, que reúne passagem pela equipe de Darcy Ribeiro, durante o processo de implementação dos CIEPs. Como desdobramento deste trabalho, ingressou na animação cultural, realizando atividades culturais em escolas de Santa Cruz, onde iniciou um Sarau na conhecida e carente comunidade de Antares. Tempos depois, o trabalho com a poesia passou a ser realizado em São Gonçalo, onde permanece ativo e promovendo circulação e fruição de cultura em outra parte da periferia carioca.

Ao iniciar sua fala, Sergio Vaz deixou claro que faz parte desta cultura que movimenta a periferia. Descrevendo o território que habitava ao nascer, onde o livro e leitura eram preteridos e estigmatizados, o agitador cultural aponta uma relação que vai sendo transformada pelo movimento dos saraus.  A transformação foi vivida na pela por Vaz, para quem a escrita foi uma descoberta da vida adulta, momento de mergulho em obras literárias, produção de textos e promoção de ações destinadas a interferir na vida de pessoas distanciadas de atividades culturais e confrontadas com duros índices de violência. Organizador do Sarau da Cooperifa, um dos mais destacados na mídia, Vaz argumentou que o maior sucesso do sarau é local e consiste na formação de novos leitores na periferia.

Fechando a conversa, Écio Salles citou atividades responsáveis por uma necessária dessacralização da poesia e literatura, destacando a doação de livros conhecida como libertar livros e a revoada de balões, práticas adotadas no Sarau da Cooperifa para despertar o interesse pela leitura e garantir o acesso ao livro.

Antes do aplauso final, poetas presentes na plateia falaram de seus trabalhos realizados no interior de trens, nas ruas e nos mais diversos cenários da cidade que  abriga o movimento  Rio Capital da Poesia. O que se viu e ouviu nesta noite foi uma mínima parte do vasto capital de poesia que circula nos livros, folhetos, camisetas, muros e muito outros espaços que ganham força na cultura carioca.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

A "tradição viva" na fala e figura do Griot HASSANE KASSI KOUYATÉ


No Teatro Gonzaguinha, Hassane Kassi Kouyaté falou ao público sobre sua experiência como um griot da África contemporânea. Diante da plateia, Kouyaté protagoniza o “agora falamos nós” sugerido por Thereza Santos (http://wwwkiafunhatavirtual.blogspot.com.br/2012/03/agora-falamos-nos-em08-de-marco-quando.html ) na emblemática peça teatral escrita em parceira com Eduardo Oliveira e Oliveira, marco de uma cena teatral afro-brasileira reforçada com esta encenção realizada no MASP durante a ditadura brasileira.

Em cena no Centro do Rio, Kouyaté fala como um integrante de grupos culturais que possibilitaram a análise teórica de Hampâté bá sobre a existência de uma “tradição viva” que auxilia na elaboração de estudos acadêmicos sobre cultura africana e afro-brasileira. É a palavra do griot testemunhando uma vivência apresentada a alguns de nós na teoria produzida em estudos antropológicos e culturais.
Kouyaté comprova na prática as teorias sobre a habilidade africana na oratória, tal como evidencia a criação literária do mestre angolano Uanhenga Xitu, responsável pelo simbólico personagem Mestre Tamoda e, não por acaso, alvo de meu estudo no mestrado. Está em cena a circularidade tão marcante na matriz africana. Com o estudo das memórias do mestre Xitu, me fiz mestra e circulei pela cultura africana. Com a breve narrativa oral que envolve memórias de sua gente, Kouyaté faz circular entre nós informações esclarecedoras sobre o traço hereditário indispensável na constituição de um griot legítimo. Nascer griot é uma condição derivada da origem,  ser um griot que exerce funções artísticas como  a contação e a música é uma opção para os nascidos sob esta condição. Ao falar da condição atual do griot em Burkina Faso, Kouyaté aborda a manutenção da aura tradicional creditada a estes homens, aos quais o povo burkinês reconhece como liderança e figura exemplar, exerçam eles as artes tradicionais ou não. 

Trabalhando  nas artes tradicionais e dividindo sua vida entre África e Europa, Kouyaté faz um testemunho marcado por momentos de ênfase ao fato das culturas surgidas nos espaços africanos pós-coloniais serem caracterizadas pela soma do saber tradicional e da cultura ocidental. Chega mesmo a frisar que a modernidade adentrou estes espaços sem enfraquecer tradições locais, visivelmente adaptadas aos novos tempos repletos de adventos tecnológicos. Nesse ponto, o círculo faz bico e em  minha leitura ocidental surge uma pontiaguda dúvida sobre atual postura (a)política destes griots, que no passado eram conselheiros do rei. Como atuam os griots nesta cena política contemporânea da África sem reinos e com nações? Ainda vigora a tradicional função de aconselhar os governantes? Quais conselhos dão a  esses chefes de Estado ainda assemelhados aos antigos reis no âmbito da riqueza?  Sua figura serve ao povo como um exemplo de permanência de uma estrutura de vida tradicionalmente marcada pela simplicidade  popular e opulência dos governantes?   Kouyaté não se pronuncia sobre este aspectoo político. Sua fala do ressalta apenas o peso que sente por ser uma figura tomada como exemplo, mas não esclarece se esta posição exemplar é utilizada por ele para interferir na vida e postura contemporânea de seu povo. O que fica claro é que estamos diante de um sujeito que transita entre a tradição e a modernidade, alternando a opção por uma ou outra e, na maior parte das situações, buscando elaborar um comportamento que mescla ambas.

Kouyaté é o narrador de uma história transmitida a ele pelos mais velhos, mas é também o narrador de uma história cultural africana que está sendo escrita, na qual se observa o desejo de inscrever conteúdos tradicionais em uma vida contemporânea forjada a partir de cada local de cultura. Portador de palavras que atualizam as experiências de ontem na cena de hoje, diante dos ouvientes de seu testemunho, o griot Hassane Kassi Kouyaté formula dúvidas e retoma experiências que ajudam a construir conhecimento indispensável para elaborar um futuro mais isento de confrontos e dúvidas que brotam do exercicío de aceitação e convívio com a diversidade presente nas visões de mundo.



quinta-feira, 8 de março de 2012

Agora falamos nós!

                 Em 08 de março, quando a luta feminina é festeja internacionalmente, fazemos festa em torno de Thereza Santos e de sua contribuição com a educação das raciais e cultura brasileiras.

                Carioca, radicada em São Paulo, exilada na Guiné e Angola, Thereza Santos viveu e promoveu um despertar da consciência de ser negra nos espaços por onde passou ao longo das sete décadas somadas em sua trajetória.

                No Rio de Janeiro a menina Jaci inicia a percepção da diferença. Ser negra faz diferença e, em sua história ainda em curso, Thereza optou pelo discurso do reconhecimento da diferença como caminho para construção de práticas reparadoras das desigualdades sempre negadas pelo discurso da democracia racial. Nascida em condições sociais melhores que a maioria dos negros brasileiros, Thereza frequentou a universidade quando poucas negras lá estavam, mas buscou um percurso que a levava de encontro a esta maioria presente na Mangueira e em outros espaços onde realizou trabalhos de formação de jovens.

                Filósofa, educadora, atriz e escritora Thereza observou a sociedade brasileira de diferentes ângulos, mantendo sempre o ponto de vista da mulher negra, no qual estão incluídas opressões sempre abordadas e combatidas em um discurso militante desta atenta observadora do território brasileiro e das relações étnico-raciais aqui estabelecidas:

Temos dificuldade de perceber que esta sociedade nos jogou em um buraco, primeiro em nome da "servidão cordial" e depois da "democracia racial" e ainda vive buscando formas de nos oprimir. Além disso, tirou de nós o direito mais elementar, que é a vida, não só pela brutalidade da violência policial, mas também pela falta de emprego, de direito à saúde, de escola e de moradia. Muitos negros têm dificuldade de enxergar esta realidade, porque preferem, para conseguir sobreviver, serem cegos, surdos e mudos.

Talvez seja mais fácil, mas é um ato de profunda covardia, neste país profundamente desigual. É necessário, portanto, coragem, ver este país de frente.

É doloroso, mas devemos preservar a única coisa que temos: a nossa dignidade e respeito (2008, p. 134-134).
 

Em São Paulo Thereza arte e política se misturaram na vida da atriz desta atriz que participou do Teatro Experimental do Negro e da experiência de ingressar no Partido Comunista Brasileiro, exercendo pioneirismo na presença de mulheres negras na organização político-partidária. Por conta desta passagem pelo partidão, foi presa e, ao ser posta em liberdade teve opção de escolher entre um exílio na União Soviética ou na África. Coerente com sua opção de descobrir-se como negra optou pela imersão na cultura africana e conhecimento das matrizes da cultura brasileira e da história negra iniciada naquele continente e desconhecida no Brasil.

 No continente africano, dividiu-se entre aulas de formação para jovens angolanos e guineenses. A experiência como educadora na Guiné aproximou Thereza da realidade local e da inconcebível condição colonial ainda imposta aos países africanos no século XX. A liberdade buscada pelos países africanos nos anos 1960-70 foi sempre prioridade para Thereza, simpatizante das lutas locais e marcada por uma nova detenção em Angola. Liberada do cárcere Thereza segue para a Guiné e, como educadora, colabora com o projeto libertário projetado por Amílcar Cabral, no qual a educação é um ponto central.  No solo guineense Thereza vive também a experiência de participação na guerrilha, registrando também sua presença na luta armada contra a opressão naquele contexto exercida pela empresa colonial.

De volta ao Brasil, Thereza traz na bagagem muitas histórias para contar e muita vontade de fazer Outra história a partir da formação de negras e negros brasileiros conhecedores da história do negro. No cenário paulista de construção dos movimentos negros Thereza se movimenta em diferentes frentes, abrindo visibilidade para a temática do negro. No teatro, junto com Eduardo Oliveira, assina o espetáculo “Agora falamos nós”.  Título que sintetiza a abertura acionada por Thereza ao dar voz, fala e visibilidade a homens e mulheres negros, projetando seus rostos, corpos e anseios no contexto de abertura vivido pelo Brasil. Em sua autobiografia Thereza enumera feitos que comprovam sua colaboração com as relações étnico-raciais, abordando passagens que permitem inferir sua adesão às ações afirmativas em diferentes espaços sociais e profissionais:

Era de minha responsabilidade solicitar às produtoras os modelos para os comerciais, (...) Eu me perguntava: se os negros estavam incluídos no público-alvo, por que também não vender os produtos? Então, eu pedia que fosse incluído no material a apresentar aos clientes com relação à criação modelos negros. Algumas vezes percebi um pouco de mal-estar, mas ninguém me dizia para não os incluir. Eu continuava, assim consegui emplacar crianças negras (...) (2008, p.88).

       
                Por tantos discursos emplacados, Thereza merece nosso olhar respeitoso de mulheres que reconhecem nela uma mais velha cheia de sabedoria a ser compartilhada e aproveitada na árdua tarefa de construir a educação étnico-racial em um país marcado por “profundas covardias” neste terreno.

                 Lançado em 2008, o livro “Malunga Thereza Santos: a história de vida de uma guerreira” é um testemunho parido pela lucidez desta militante viva. Um belo presente para ser lido hoje e nos proporcionar exemplos de resistência protagonizados por esta mulher que luta contra adversidades na saúde frágil, demonstrando uma força exemplar para nós que, brancos ou negros, acreditamos e lutamos por igualdade, respeito e valorização de seres humanos respeitados em suas especificidades.
             

                                                                                                                                                                                                          

sábado, 28 de janeiro de 2012

Beatriz Nascimento: breve e bela passagem pontuada de nascimentos.

Antes que a sua história acontecesse,
Deram-lhe um nome que espelha seu papel na história de pensar o ser negro no Brasil
Maria Beatriz  Nascimento.
Mãe como tantas brasileiras,
Ativista e teórica como poucas afro-brasileiras
Palestrante de luminosidade similar a da estrela Belatriz.

Antes de ter a vida ceifada pela violência que atinge tantas mulheres,

Produziu intensamente,

Iluminando as reflexões sobre a presença do negro na história brasileira e  
Fecundando o nascimento de ações militantes e afirmativas

semeadas por suas palavras poéticas, testemunhais ou teóricas
projetadas na tela ou impressas
 Passados dezessete anos de uma partida antecipada,
Seu pensamento segue presente
Em processos de afirmação de gênero  e pertença étnica,
ambos travados “entre a bruma e o crespúsculo”
 
Artigos e entrevistas te fazem viva
Texto, ideias e ideais circulando,
“Seduzindo o que não estava atento”,
Despertando-o  para “encontros e rompimentos”
Que burilam a  capacidade de reagir
àquelas continuidades que permitiriam que
“tudo aconteça como antes aconteceu”
 
A força contida no fim de sua história
e nas discussões promovidas durante  sua trajetória
não permitem dizer que ela seja "aquela que faz o outro feliz"
significado do nome Beatriz

Sua presença guardada na memória,
Registrada em Orí
e em outros feitos e fatos
da vida de mulher-negra-intelectual-mãe
mostra que no terreno das lutas afro-brasileiras ela é mãe
dando vida a uma figura de intelectual negra no cenário branco da intelectualidade
dando alimento a quem se fortalece
para colaborar com  o desenho de uma conjuntura
que faça diferente o devir dos afrodescendentes na história brasileira!
 O que faltou dizer sobre a partida ...
Estava fazendo mestrado em comunicação social, na UFRJ, sob orientação de Muniz Sodré, quando sua trajetória foi interrompida. Beatriz foi assassinada ao defender uma amiga de seu companheiro violento, deixando uma filha.
Faleceu em 28 de janeiro de 1995 no Rio de Janeiro.
(Fonte: A cor da cultura - Heróis de todo mundo)
  
Um perfi mais detalhado:

A mulheres negra e amor, na leitura de Beatriz Nascimento:

 
Mote para minha intertextualidade: poema de Beatriz, inserido no estudo memorialista sobre a autora, intitulado Eu sou Atlântica (RATTS, 2006)

 
Antes tudo acontecesse como antes
                            aconteceu
Não vindo como algo novo
Seduzindo o que não estava atento
Antes tudo acontecesse como o aviso do
                                sinal
Atenção!“Está prestes a se concretizar”
E não como serpente silenciosa
Em seu silvar
Em seu silvar
Antes tudo acontecesse quando te
                            sentisses
                            forte
Capaz de reagir, que pudesses sangrar
Antes tudo acontecesse como se fosse o
                              previsto
Visto de trás ou de longe
Antes que te atingisses de frente
Antes tudo acontecesse como acontecem
as histórias
De encontros e rompimentos, num
                            mergulho
                            sem demora
Antes tudo se passasse como passa o
                            Arco –íris
Num momento luz, noutro bruma e
crepúsculo. (1987). 

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Chegança de João Cândido: um cordel em prol da memória e revisão da história.


Neste mês de janeiro marcado por forte mobilização midiática em torno das polêmicas que asseguram a audiência de um famoso reality show produzido no Rio de Janeiro, há espaço na cidade para um belo show de talentos reunidos na montagem “Chegança do Almirante Brasileiro na Pequena África”.



Equilibrados sobre pernas de paus ou praticáveis, os atores da Grande Companhia Brasileira de Mystérios e Novidades narram a “odisseia marítima” de João Cândido, aproximando o público da figura e história deste afro-brasileiro que liderou a Revolta da Chibata, episódio significativo no rol dos movimentos brasileiros realizados em prol da conquista de direitos humanos.


A apresentação realizada na Cinelândia, nesta quarta-feira, dia 18 de janeiro, foi a segunda de um pacote de sete encenações gratuitas oferecidas ao público como um presente que os trabalhadores envolvidos na montagem oferecem ao público que circula pelo Rio na semana do aniversário da cidade.


Emocionante leitura da trajetória do Almirante Negro, o espetáculo é um imperdível momento de reflexão sobre a existência de opressões raciais e políticas que realmente exigem mobilização e luta.


Na grande ciranda realizada pela montagem, participam João Cândido menino, homem e idoso, além de indivíduos como Tia Ciata e coletivos como a irmandade do Rosário. Com estes e outros personagens a peça resgata na memória coletiva alguns modos de deflagrar ações que garantam a resistência cultural dos afrodescendentes e fortaleçam suas possibilidades de reparar defasagens sócio-culturais instituídas desde escravidão.


Realizadas sempre às 17:00 horas, as próximas encenações serão nos seguintes dias e locais: 19/01 – Cinelândia; 20/01 - Arcos da Lapa; 21/01 – Parque Garota de Ipanema; 22/01 – Parque Lage e 23/01 – Praça da Harmonia.

 









segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Chuva e (segundo) sol no céu de 2012.


Exatas, as previsões meteorológicas adiantaram que chegada de 2012 seria sob chuva. No auge, as certezas tecnológicas puseram em descrédito previsões místicas, vindas de diversas vertentes, que apontam este ano como fim de uma era.

Após a era dos extremos vivida no breve século XX, um tempo de liquidez tomou conta do cenário marcado por descobertas e discursos que indicam uma kiafunhata, ou seja, um ápice do desenvolvimento tecnológico e intelectual. Intensamente utilizada grupos privilegiados, a tecnologia produz ciência, mas nem sempre é produzida com consciência, gerando algumas substâncias e sentimentos que empobrecem as condições de vida em diferentes espaços do planeta. Disparidades extremas que fluem com liquidez, dissiminando desigualdades que diversificam os caminhos para um eminente colapso semelhante ao vivido por algumas civilizações que, no passado, experimentaram a destruição bem no auge de seu desenvolvimento... 

O capital intelectual desenvolvido ainda parece insuficiente para contestar a insustentabilidade deste atual modelo de desenvolvimento forjado com o subdesenvolvimento estimulado e alimentado pela engrenagem capitalista.  Desperdícios e faltas capitais são sintomas de uma crise aguda, diante da qual se torna atraente a imagem  de 2012 como ponto de recomeço. Com base no parecer científico, o recomeço tarda mas  não falta, pois a cada 26.000 anos a Terra sofre uma mudança de eixo em relação à esfera celeste, configurando o fenômeno astrológico da Precessão, nascedouro de mudanças na configuração planetária. Discursos místicos e científicos reconhecem a 2012 como um destes momentos, alguns destes calculam que o fenômeno ocorrerá no dia 21 de dezembro.

Nada mau pensar que essa mudança de orientação angular terá como efeito o  início do "mundo da regeneração", momento místico no qual a consciência individualista dá lugar a uma consciência universalista, responsável pelo reforço da pertença do homem ao Universo. Nada novo pensar assim como pensavam sociedades tradicionais postas em descrédito pelo cientificismo e suas certezas. Uma destas sociedades, os Maias apregoavam, na primeira de suas sete célebres profecias, que "nosso mundo de ódio, materialismo e medo terminará num sábado, 22 de Dezembro do ano 2012. Dia em que a humanidade deverá escolher entre desaparecer como espécie pensante, que ameça destruir o planeta, ou evoluir à integração harmônica com todo o Universo, compreendendo que somos parte deste Todo, e que podemos existir em uma nova Era de luz". 

Sem dúvidas, as geleiras que derretem no Ártico e outras que se erguem entre os homens são efeito efeito da normatização de formas de caos e destruição em diferentes locais.  Caberá aos cientistas afirmar ou negar as tormentas solares e os locais de suas ocorrências... Quanto às tormentas no capital emocional, intelectual e econômico, o senso comum é capaz de apontar seus impactos em seres humanos atingidos por partículas nada ínfimas de sentimentos e ações  tão nocivos quanto os provenientes do vento solar descrito pela ciência como resultante de um  bombardeio de partículas solares.

A olho nu vemos as partículas das economias em colapso desenhando uma recessão global e formando um mosaico que projeta conflitos no céu do Planeta.  Para os geólogos, o Sol não reina sozinho neste céu, no qual, a cada 26 ou 30 milhões de anos, despontam estrelas pouco conhecidas como a Nêmese,  deusa da vingança. No passado, astros deste tipo provocaram o fim do reinado dos dinossauros, abrindo caminho para a nova Era dominada por mamíferos. No passado, foi dito que esta deusa marcaria presença no céu, derramando sobre os mamíferos desenvolvidos a vingança por tamanha irresponsabilidade na organização da vida do planeta...

Ciência e misticismo estudam o céu da Terra, seus discursos se encontram ao avistar temíveis, mas não terríveis previsões de fim de uma ordem que vaticina nossa espécie a um desfecho semelhante ao dos dinossauros. Que venha a colisão com a luz e a explosão de uma nova ética global!


                                         Consulta: http://www.novaera-alvorecer.net/as_7_profecias_maias.htm

sábado, 19 de novembro de 2011

Milton Santos: presente e presença no mapa da consciência negra.

 
Semana que antecede o dia 20 de novembro, consciência negra ostentada em diversos formatos da mídia. Circulando no cenário cultural brasileiro há mais de uma década a expressão já faz parte do vocabulário, porém o seu significado ainda é uma expressão tímida em grande parte dos brasileiros. Falando sobre isso no Jornal Extra deste domingo da Consciência Negra, o músico Seu Jorge questiona: "talvez o negro tenha orgulho de sua raça, mas o restante das pessoas  não está nem aí para isso(...) Esse é um espaço que temos que conquistar. Temos que preparar nossos filhos parta também correr atrás disso"
No ano em que a data é oficializada no calendário nacional, faço duo com Seu Jorge e repenso passos dados na conquista deste epaço. 

A palavra espaço tem tudo a ver com Milton Santos, personagem de um episódio que vivi em 1999 e que reflete a (in) visibilidade de personalidades negras para grande parte da população brasileira que (como eu à época) conhece mais a vertente cultural colada à expressão consciência negra, desconhecendo tantos homens e mulheres afrodescentens que afirmam uma identidade negra diferente da subalternidade. Considero o acontecimento emblemático para demonstrar como a maioria dos afrodescendentes, sem o privilégio da informação, aceita o espaço para eles determinado. Vejo também como um dos acontecimentos que propiciaram meu despertar para a necessidade de retomar vínculos com a matriz negro-africana, latentes na vivência de afro-brasileira nascida no São Carlos; e silenciados no decorrer da educação formal, que me apontava a assunção dos valores branco-europeus como caminho para uma inclusão social.

Vamos à festa e ao fato. Evento comemorativo da Consciência Negra, o Ile Ifé, realizado na UERJ em 1999 me colocou diante Milton Santos. Todos no maior afã diante da personalidade. Eu, aceita e incluída na sociedade após ser empossada funcionária da universidade, nada sabia sobre aquele doutor de aparência tão diferente da maioria dos que ostentam o título, e tão semelhante a minha. Privilegiados por uma informação sonegada em minha formação de nível médio, alunos e professores universitários correram para uma foto histórica e me fizeram fotógrafa desta relíquia.

Foi preciso muito tempo para que eu compreendesse o presente daquela presença. Hoje, olhando a fato, lamento que minha imagem não esteja naquele registro que é, também, marco do início do movimento de tornar-me afrodescendente consciente da memória e história afro-brasileira. O tempo implicado nesse processo foi marcado por encontros com a obra de Santos. No pensamento deste professor, que declara ter optado pela geografia em função do fascínio pelo movimento, encontro suporte para movimentar existência e ampliar minha consciência acerca da importância de suas teorias e do significado de sua trajetória afrodescendente para a memória brasileira e identidade dos afro-brasileiros.

Viajante, como indicado para um pesquisador aficcionado pelo movimento, Santos atravessou fronteiras. No auge da ditadura, em 1964, foi professor convidado nas Universidades de Toulouse, Bordeaux, Paris-Sorbonne e IEDES. Nos anos seguintes, MIT (Boston), Toronto (Canadá), Caracas (Venezuela), Dar-es-Salam (Tanzânia) e Columbia (New York). O trânsito por tantos territórios permitiu apurar considerações sobre a geografia humana e as questões que incidem sobre a mesma em diferentes espaços. Toda essa experiência resultou em textos críticos, manifestos e livros que, em sua maioria promoveram uma revisão de conceitos e uma articulação entre a geografia e reflexões pertinentes em outras áreas, como acontece em Por uma Geografia Nova, da crítica da geografia a uma geografia crítica (1978), Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico informacional (1994), Por uma Geografia Nova, Da totalidade ao lugar (1996), Metamorfose do espaço habitado (1997) e A Natureza do Espaço (1996).

Interdisciplinar, leitor crítico da globalização e do mundo presente, Santos produziu reflexões que atuam como munição ativa na luta por afirmação e reconhecimento da matriz negro-africana nas horizontalidades e verticalidades em que se divide espaço. Apontando o lugar como o espaço do acontecer solidário gerado na cultura, antropologia, economia e outros setores da vida social, Milton Santos indica uma geografia humana, solidária e necessária em todo lugar para parir uma outra globalização. Encarando o futuro, Santos analisa as ações que podem romper um atual “globalitarismo”, e que integram um “período popular da história”, identificado pelo autor como aquele em que predominam as formas de resistência locais às perversidades estabelecidas pelo mundo neoliberal e difundidas por um modelo de alienante de globalização.

O legado de Santos é um extenso rol de conceitos e reflexões que permitem ampliar o conhecimento sistemático das realidades locais, minimizar a alienação e proporcionar focos de resistência na sociedade civil. Visionário, o autor destacou o papel das tecnologias da informação como instrumentos responsáveis pelo empoderamento do homem popular que, com o acesso a tantos recursos, faz-se capaz de driblar o monopólio da informação e injetar novos ares e discursos no “território transnacional”.

Além dessa visão global, o pensamento gerado pelo teórico ajuda a (re)ver a sociedade brasileira de dentro e vislumbrar nela margem destinada ao negro e herdada pelo afrodescendente. Entender essa dinâmica é fundamental para criar formas de resistência aos discursos alienantes e  pejorativos que rondam as relações étnico-raciais brasileiras.

Ao descortinar esse horizonte de possibilidades reflexivas Milton Santos nos encoraja a reforçar a memória afro-brasileira na horizontalidade – entendida por ele como aquela constituída de lugares unidos por uma continuidade territorial, para que desse modo sejam fortalecidas as informações que auxiliam na construção de uma solidariedade travada entre diferentes áreas do saber e promotora de políticas de ações afirmativas e identitárias destinadas a minimizar desigualdades sociais ligadas à pertença étnica de alguns brasileiros.

Com ciência Milton Santos mostrou a “técnica como plataforma para a liberdade”. Recorro a esta plataforma para lançar minhas palavras em homenagem a este professor que levava os Santos nome, mas tinha fé apenas numa produção solidária de saber  presente em suas obras e em seus depoimentos,alguns registrados e disponibilizados em espaços como  a página http://miltonsantos.com.br/site/. Nesses espaços em que a técnica registra a memória,  o  conhecimento produzido por Milton Santos circula livre e se faz acessível às mentes apaixonadas por um movimento de expansão do saber semelhante ao demonstrado por este mais velho muito vivo entre nós em função de sua trajetória tão admirável.