Agora falamos nós!
Carioca,
radicada em São Paulo, exilada na Guiné e Angola, Thereza Santos viveu e
promoveu um despertar da consciência de ser negra nos espaços por onde passou
ao longo das sete décadas somadas em sua trajetória.
No
Rio de Janeiro a menina Jaci inicia a percepção da diferença. Ser negra faz
diferença e, em sua história ainda em curso, Thereza optou pelo discurso do
reconhecimento da diferença como caminho para construção de práticas
reparadoras das desigualdades sempre negadas pelo discurso da democracia
racial. Nascida em condições sociais melhores que a maioria dos negros
brasileiros, Thereza frequentou a universidade quando poucas negras lá estavam,
mas buscou um percurso que a levava de encontro a esta maioria presente na
Mangueira e em outros espaços onde realizou trabalhos de formação de jovens.
Filósofa,
educadora, atriz e escritora Thereza observou a sociedade brasileira de
diferentes ângulos, mantendo sempre o ponto de vista da mulher negra, no qual
estão incluídas opressões sempre abordadas e combatidas em um discurso
militante desta atenta observadora do território brasileiro e das relações
étnico-raciais aqui estabelecidas:
Temos dificuldade de perceber que esta
sociedade nos jogou em um buraco, primeiro em nome da "servidão
cordial" e depois da "democracia racial" e ainda vive buscando
formas de nos oprimir. Além disso, tirou de nós o direito mais elementar, que é
a vida, não só pela brutalidade da violência policial, mas também pela falta de
emprego, de direito à saúde, de escola e de moradia. Muitos negros têm
dificuldade de enxergar esta realidade, porque preferem, para conseguir
sobreviver, serem cegos, surdos e mudos.
Talvez seja mais fácil, mas é um ato
de profunda covardia, neste país profundamente desigual. É necessário,
portanto, coragem, ver este país de frente.
É doloroso, mas devemos preservar a
única coisa que temos: a nossa dignidade e respeito (2008, p. 134-134).
Em São Paulo
Thereza arte e política se misturaram na vida da atriz desta atriz que
participou do Teatro Experimental do Negro e da experiência de ingressar no
Partido Comunista Brasileiro, exercendo pioneirismo na presença de mulheres
negras na organização político-partidária. Por conta desta passagem pelo
partidão, foi presa e, ao ser posta em liberdade teve opção de escolher entre
um exílio na União Soviética ou na África. Coerente com sua opção de
descobrir-se como negra optou pela imersão na cultura africana e conhecimento
das matrizes da cultura brasileira e da história negra iniciada naquele
continente e desconhecida no Brasil.
No continente africano, dividiu-se entre aulas
de formação para jovens angolanos e guineenses. A experiência como educadora na
Guiné aproximou Thereza da realidade local e da inconcebível condição colonial
ainda imposta aos países africanos no século XX. A liberdade buscada pelos
países africanos nos anos 1960-70 foi sempre prioridade para Thereza,
simpatizante das lutas locais e marcada por uma nova detenção em Angola.
Liberada do cárcere Thereza segue para a Guiné e, como educadora, colabora com
o projeto libertário projetado por Amílcar Cabral, no qual a educação é um
ponto central. No solo guineense Thereza
vive também a experiência de participação na guerrilha, registrando também sua
presença na luta armada contra a opressão naquele contexto exercida pela
empresa colonial.
De volta ao
Brasil, Thereza traz na bagagem muitas histórias para contar e muita vontade de
fazer Outra história a partir da formação de negras e negros brasileiros
conhecedores da história do negro. No cenário paulista de construção dos
movimentos negros Thereza se movimenta em diferentes frentes, abrindo
visibilidade para a temática do negro. No teatro, junto com Eduardo Oliveira,
assina o espetáculo “Agora falamos nós”.
Título que sintetiza a abertura acionada por Thereza ao dar voz, fala e
visibilidade a homens e mulheres negros, projetando seus rostos, corpos e
anseios no contexto de abertura vivido pelo Brasil. Em sua autobiografia
Thereza enumera feitos que comprovam sua colaboração com as relações
étnico-raciais, abordando passagens que permitem inferir sua adesão às ações
afirmativas em diferentes espaços sociais e profissionais:
Era de minha responsabilidade
solicitar às produtoras os modelos para os comerciais, (...) Eu me perguntava:
se os negros estavam incluídos no público-alvo, por que também não vender os produtos?
Então, eu pedia que fosse incluído no material a apresentar aos clientes com
relação à criação modelos negros. Algumas vezes percebi um pouco de mal-estar,
mas ninguém me dizia para não os incluir. Eu continuava, assim consegui
emplacar crianças negras (...) (2008, p.88).
Por tantos discursos emplacados,
Thereza merece nosso olhar respeitoso de mulheres que reconhecem nela uma mais
velha cheia de sabedoria a ser compartilhada e aproveitada na árdua tarefa de construir
a educação étnico-racial em um país marcado por “profundas covardias” neste
terreno.