KIAFUNHATA

imagens da vida e da arte

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A política e o "faz-me rir".

Mais uma eleição chegando. Com a exigência do título do eleitor em mãos para votar, preciso achar esse meu documento que, escondido em alguma gaveta, me parece mais secreto que o voto. O momento é de procurar. Procurar fichas limpas dentre os nomes de uma lista cheia de trajetórias e apelidos absurdos.

Ah, os nomes... Inevitável não prestar atenção neles, pois outdoors, panfletos e programas eleitorais na TV ressaltam alcunhas bizarras que combinam com projetos idem. Os nomes elegíveis nas eleições 2010 fazem cócegas no ridículo e forçam a rir de indignação diante do nível das figuras e figuraças produzidas e produtoras de uma política que tem sido constante motivo de decepção, pois, “ser político” é cada vez mais claramente identificado como um “jeitinho” encontrado por alguns brasileiros para ampliar as possibilidades de aumento do “faz-me rir”. Para os mais distanciados da linguagem popular, explico que a expressão “faz-me rir” é utilizada entre os muitos brasileiros das camadas populares para fazer menção ao minguado pagamento que lhes chega às mãos no fim do mês, proporcionando um fugaz momento de alegria.

Reconhecidos como espaços propícios à farta compensação financeira, assembléias, câmaras e gabinetes tornaram-se sonho de consumo daqueles que buscam cachês mensais mais fartos... Resultado, os trens da alegria, notória vergonha na história da política brasileira, além dos condutores vitalícios que percorrem diferentes siglas e cargos sem nunca sair do poder, contam com um número cada vez maior de celebridades aspirantes ao ingresso. Outra parte dos candidatos representa o nepotismo tornado característico na cena política que garante, com voto ou com cargos de confiança, o ingresso de filhos, netos, esposas e todo tipo de parentela dos ocupantes de cargos políticos. São tantas histórias desse tipo que o procedimento tornou-se regra e parece uma “guerra” vencida por eles e Erenices...

O investimento pesado nas campanhas indica a importância deste lugar que, além da utilidade pública original, é cada vez mais visível como de utilidade particular. Como saída para investir menos, siglas políticas investem cada vez mais no “uso” das celebridades para consolidar suas “marcas” e contas. O duro é que estamos pagando uma conta alta, composta por verbas e atenções desviadas para o pior caminho e responsáveis por guiar o eleitor para a descrença num voto que se mostra benefício apenas para quem o recebe.

Tomando como exemplo as listas de candidato do RJ e SP, posso alcançar meu objetivo de fazê-los experimentar o riso desgostoso em ter que dar voto e verba pública a sujeitos que deveriam continuar na privada vidinha ou continuar tornando públicos seus dotes artísticos. No RJ, alguns dos talentosos que batalham por nosso voto são: MULHER MELÃO - candidata a deputada estadual pelo PHS, TATI QUEBRA-BARRAC0 - candidata a deputada federal pelo PTC, além da dupla Bebeto e Romário que, encerrada a época de ataque no futebol, agora quer defender o seu na política. Em São Paulo, a lista conta com MULHER PÊRA - candidata a deputada federal pelo PTN, RONALDO ÉSPER - candidato a deputado federal pelo PTC e o humorista Tiririca (PR-SP). O cenário pastelão parece ter motivado o autor de Florentina a investir na nova carreira. Com o slogan: "Vote Tiririca, pior que tá não fica" o candidato aposta na manutenção da (falta) qualidade e, reforça o rol de atitudes que desgastam nossas expectativas positivas numa renovação do modo de exercício da política.

É ainda mais difícil rir, quando pedem nosso voto as segundas e terceiras gerações de famílias há muito instaladas na política e publicamente identificadas com escândalos e esquemas que os qualifica como incentivadores de um esquema “gestão-extorsão”, cujas regras aviltam a lógica dos mortais cidadãos confrontados com a “impunidade” de eleitos que tem ciência de estar a salvo de maiores punições e de circularem por um espaço onde o desvio, o nepotismo e outros crimes, compensam polpudos cheques.

A coisa ficou tão feia que figuras ligadas às denominações religiosas formaram bancada para intervir nesse ambiente politeísta e, usando o nome de Jesus, invadiram o cenário com representantes já eleitos e outros que pleiteiam uma vaga em 2010. Destaco o cantor-pastor Waguinho que exemplifica as celebridades de Jesus e representa a imagem do homem elegível para eleitores que precisam acreditar na integridade e virtude dos que adentram o espaço impuro de uma política que une diferentes siglas no esforço de proteger aos que são flagrados em práticas condenáveis. Pena que ao fazer parte deste setor social, a igualdade que caracteriza a sociedade brasileira se manifesta e, até mesmo os homens de fé acabam aderindo ou demonstrando que já concordavam com o jogo do qual passam a fazer parte. Então, valha-nos DEUs, pois racionalmente está difícil encarar essa galera DEMocrática que luta para livrar a sociedade do perigo de dividir, especialmente, a renda, o conhecimento e o poder concentrado nas mãos de poucos.
Por tudo isso, me sinto anulada ao ter de votar nesses ou em outros nomes que venham a integrar as assembléias, governos e senado. Essa política que garante sorriso e vida farta a alguns, não tem graça. Diante dela ganha corpo a vontade de protesto.
E, finda a procura, cá estou eu, com o título na mão e a idéia de voto nulo cada vez definida na cabeça...

domingo, 5 de setembro de 2010

Diversidade, resitência & resiliência


A palavra resiliência chegou aos meus ouvidos no começo da semana passada. O termo, raro na linguagem cotidiana, chamou minha atenção. Fuçando sobre ele, verifiquei tratar-se de um conceito da física que consiste na propriedade que alguns materiais apresentam de voltar ao normal depois de submetidos à máxima tensão. Portanto, a palavra traduz o processo que estou vivendo ao tentar voltar ao normal depois de tanta tensão nos últimos meses.

Como fruto dessa tentativa, no sábado, 04 de setembro, voltei à Lapa. Declarada minha independência da escrita dissertativa, vi a(s) cara(s) da noite. Num palco armado sob os Arcos, dei de frente com a abertura da 1º. Primeira Reunião da Diversidade - Independência da Cultura. Diante dos meus olhos, a dança Toré apresentada por integrantes do povo Pankararu (SP), o jongo do Quilombo São José (RJ), o bloco Ilú Obá de Min (SP) e suas percussionistas, clicados na foto acima. Para encerrar, a associação de Sambadeiros e sambadeiras (BA) sobe ao palco e a batida do samba de roda promove o encontro real da diversidade. Convidados do evento, em sua maioria de outros estados; alguns de outros países, cariocas e gringos frequentadores da Lapa, todos entram na dança. O mesmo ritmo embala diferentes gingados de corpos que fazem o palco de madeira tremer. Sob meus pés, vejo que o compensando vive a resiliência, voltando ao estado reto após vergar sob o peso da nossa alegria dançante.

No domingo, após a festa aberta ao público, consigo me fazer convidar e, crachá no peito, nome estampado e sorriso aberto, ingresso na Fundição Progresso. Um dia de regalias se abre para quem adentra esse espaço vip, onde exposições teóricas antecedem a noite de dedicada à apresentação artística de trabalhos que simbolizam a diversidade cultural.

Reunidos na Fundição, representantes de povos de terreiro, integrantes de comunidades quilombolas, participantes do movimento hip hop de São Paulo, e também do hip hop indígena, comandado por Brô Mc, enfim, muitos exemplos daquela imagem de resiliência construída pela psicologia e que serve para explicar a capacidade de lidar com problemas, superá-los e até de se deixar transformar por adversidades. Uma jovem vinda de comunidade quilombola do Vale Dramani – zona rural de João Pessoa, é a mais perfeita tradução deste processo. Ela nos traz um relato sobre a prática do Projeto Griô, cujo objetivo é transmitir o saber popular para novas gerações de brasileiros, quilombolas ou não.

O dia é de testemunhos, por meio dos quais se pratica a troca de experiências. Oito salas acolhem participantes que abordam questões de gênero, comunicação e educação em contexto de diversidade, transmissão de saberes tradicionais e temas para todos os gostos. Degustados esses saberes, chega a hora de provar os sabores postos à mesa pelo requintado Buffet. Hoje come-se bem e com diversidade no cardápio: salve Minc, salve o maitre!

Após o almoço, sobremesa e café: continuam as falas e relatos de vivências. Na sala oito ouço representantes de povos de terreiro, um belo canto de capoeira entoado pela voz resistente de uma mãe de santo de Xapuri, local onde a intolerância religiosa é extremada. Neste cenário, uma jovem atriz e educadora da baixada fluminense/RJ fala sobre a mulher no sistema educacional e repete a palavra resiliência. Então, começo outra semana no embalo desta palavrinha de significados diversos. As drags, cadeirantes, deficientes auditivos, índios e tantas outras diferentes gentes ali reunidas ilustram os traços da pessoa resiliente descrita pela psicologia como aquela que não se abate com facilidade, enfrentando a adversidade sem deixar abalar seu humor. Terminam as “rodas de convivência” do dia. As salas se esvaziam: o jantar está servido para quem ainda tem fome após o almoço de 13h e o lanche de 16:30h. Devidamente fortalecidos de alimento e idéia, a noite é nossa.

No palco externo, a grande família que forma o grupo Carroça de Mamulengo é mestre de cerimônia da noite e convoca a Cia Gira Dança(RN), que tem dois cadeirantes no elenco. Dançar para resistir e resistir para não dançar, eis a lição do Maracatu Piaba de Ouro (PE) e da Irmandade de Carimbó São Benedito (PA) .

Brasileiros que somos, dançamos para resistir. Cariocas que sou, não resisto à dança. Aos poucos as arquibancadas se movimentam no compasso do Carimbó. O passo requer mais espaço, o público ganha o palco. A noite ganha a alegria de diversas idades vibrando e transformando o compensado no mais resistente pau-brasil.

Deixo aqui duas dicas coletadas no evento. A primeira é o site da documentarista Renata Meireles, no qual estão disponibilizados filmes sobre a "cultura da infância" e as diferentes formas de construção de brinquedos. As formas de produzir e brincar com o pião em diferentes regiões do país rendem um curta interessante: http://www.projetobira.com/. A dica número dois é o blog do grupo MATÉRIA RIMA (SP), que em suas letras de hip hop procura auxiliar na fixação de temas integrantes do currículo escolar. Passeando pelo blog desses rapazes, aos quais assisti no encontro da diversidade, dei de cara com uma letra que fala sobre brincadeiras tradicionais que resistem ao tempo. Vozes jovens repaginando o exercício griô, propagando saberes tradicionais e fixando conhecimentos. Confiram: http://materiarima.blogspot.com/