KIAFUNHATA

imagens da vida e da arte

sábado, 14 de agosto de 2010

Louvor e transe em tempos de pressão.




Nesses últimos meses a tensão nossa de cada dia esteve insuportável... Mas, suportei. Ri do sumiço da escrita, brinquei com a desordem das idéias e tentei não me desesperar a cada mês terminado sem que eu terminasse o texto. Finalizada a escrita, eis a tensão do ajuste, até que enfim, sob pressão do tempo, deu-se por terminada a tarefa e cá está o trabalho impresso, que segue para o corte da banca e para meu alívio.

Cadê alívio? Numa primeira manhã sem obrigação de escrever, acordei muito cedo. Nada de relax, tensão para todo lado e cabeça pensando neste nosso viver de ave de abatedouro: com asas e sem espaço para voar, presos e escapando ao abate todo dia... Vi que eram menos que seis da manhã... Chorei...

Procurando alívio, liguei o PC, como tenho feito nos últimos dois anos, tem sido ele o companheiro mais presente ... Com o qual produzi a escrita que me fez acompanhada das palavras e idéias, mas é só. Pois a escrita é um fazer solitário, embora destinado ao outro. A sozinhez está com a gente enquanto vivemos e fugimos dela todo o tempo, buscando pares e grupos em tempos de escassez de solidariedade, de sonhos e de projetos coletivos.

Nuvens no meu céu... Vejo que lá fora o tempo também está nublado. A luz da tela clareia o quarto e eu navego... Corro olhos por manchetes que descrevem estes tempos de dor. Então, reli o Galeano lá na minha epígrafe, dizendo

Escrevemos a partir de uma necessidade de comunicação e comunhão com os demais, para denunciar o que dói e compartilhar o que dá alegria. Escrevemos contra a nossa própria solidão e a solidão dos outros. Supomos que a literatura transmite conhecimento e atua sobre a linguagem e a conduta de quem a recebe; que nos ajuda a conhecer-nos melhor para salvar-nos juntos.

Fora, parece que vai chover... Aqui dentro, já está rolando muita água. Olhos vermelhos, varrendo a tela. A cabeça pensando nas estratégias para vencer a realidade que abate os sonhos, o apelo ao consumo de tanto, quando precisamos apenas de um projeto para uma existência melhor...

A cabeça colada no estudo literário, no projeto do “homem novo”, vindo da recente história africana e naufragado no encontro das águas com as manhas e manias enraízadas no ocidente e reproduzidas em toda a parte. Deste ou do outro lado do Atlântico, e em todas as terras habitadas por homens, parecemos novas máquinas, já saídas de fábrica com aqueles velhos defeitos. E como não dá para mudar o todo, muitas pessoas partem para o transe a fim de aguentar.

Então louve-se. E esse fervor no louvor é registrado e alimentado pelo mundo virtual. Assisto Elaine Martins e seu louvor como caminho para um possível transe. O cenário é o presídio e uma das letras, tal como a literatura de Saramago, fala em levantar do chão.... Noutro vídeo, a canção é: “sei, é bem assim”. A multidão presente num show, aqueles homens e mulheres encarcerados no espaço prisional; eu, na minha (manhã) solitária: todos ouvem e concordam com a necessária busca de cumplicidade. Emociona mesmo ouvir: “é tão difícil suportar o medo, a dor e esta lágrima no olhar”. Melhor verter a lágrima no transe para sentir-se forte perante essa pequenez, que, seja pela escrita ou pela fé, o homem parece não conseguir mudar.

Virei a página, que meu corpo sinta o alívio de um sábado livre....

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Ruy Duarte de Carvalho :) 1941/2010 ):

Como homenagem ao poeta/escritor/cineasta que, definitivamente, foi "lá visitar pastores",

faço convite para que todos conheçam sua escrita.

A gravação do rosto


Na superfície branca do deserto
na atmosfera ocre das distâncias
no verde breve da chuva de Novembro
deixei gravado meu rosto
minha mão
minha vontade e meu esperma;
prendi aos montes os gestos da entrega
cumpri as trajetórias do encontro
gravei nas águas a fúria da conquista
da devolução do amor.


(In: Memória de tanta guerra)