KIAFUNHATA

imagens da vida e da arte

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

A nova ordem do rei: destaques ao alto, rainhas à frente (da bateria),

O rei mandou cair dentro da folia, lá foi o príncipe e lá vou eu! Confetes ao alto, concurso de marchinhas e blocos na rua! Um carnaval com cara de antigamente sacode a cidade antes que os GRES cariocas, popularizados como escolas de samba, façam o desfile oficial.

Nas semanas que antecedem os desfiles na passarela do samba é forte o  agito dos blocos carnavalescos, cada vez mais numerosos e atuantes na agenda da cidade. Na programação da
TV se abre algum espaço para o tema carnaval, enfocando personagens e surpresas as super escolas de samba S/A preparam para apresentar na Avenida com nome de Marquês e freqüentada por um público cada vez mais nobre.

Tentando fugir do marasmo da programação habitual e me inteirar sobre enredos, propostas e sambas que passarão pela Avenida, percorri canais e assisti a alguns programas de TV que me desafiaram a falar.

E se meu grito pré-carnavalesco começa por enredos e samba, a gente pode trocar o esquenta que coube aos blocos por um morno repeteco dos conteúdo, rimas e gritos de guerra. Na guerra da LIESA, a mesmice é a arma mais usada, principalmente, se alguém, como eu, passou muitos anos curtindo e acompanhando os “antigos carnavais, de sambistas imortais, bordados e poesia. Velhos tempos que não voltam mais. E no progresso da folia” remasterizar enredo está na ordem do dia!

Parece que a reciclagem da fantasia, ou da falta dela, comanda a festa. Cheguei a essa conclusão quando vi, num desses programas, que a surpresa da Caprichoso de Pilares para 2009 é trazer novamente para avenida o famoso refrão: tem bumbum de fora pra chuchu, qualquer dia é todo mundo nu!

Alguém esqueceu esse refrão profético? Realmente visionário, estava nele a evidente redução da fantasia, inversamente proporcional ao aumento do luxo e valor da indumentária. O que se viu foi que a maximização do mínimo tomou conta do mercado do samba. E quando a profecia se cumpriu, a liga (das escolas do samba) viu-se obrigada a impedir o todo mundo nu, criando a perda de pontos para os despidos além do peitoral e bumbum. Assim, começamos a (tentar) ver as novas vestes das rainha-passistas que, ouvidas pelas equipes das emissoras, nos descrevem, detalhadamente, o modelo de seus tapa-sexos e mantos de purpurina transparente, ambos tão invisíveis quanto a nova roupa do imperador.

Percorrendo os canais, na TV aberta, o concurso de musa do carnaval apresentado pela líder de audiência. Na concorrente, encontro (ou reencontro?) o “Samba de Primeira” (quem não lembrar tá perdoado, programação que meu pai assistia e programa que o pai do Perlingeiro fazia!). O destaque por lá são os intérpretes, antigos puxadores, que se fazem acompanhar de uma representante da agremiação, devidamente credenciada como passista, aquelas que antigamente eram pretinhas - embora chamadas de mulatas, sendo substituídas depois, com a evolução, por mulatas de cor e fato.

O que o samba de primeira me mostra é que o destaque da mídia àquelas que ocupam o posto das antigas passistas, retirou deste lugar as moças da comunidade. Com o progresso da folia, o embranquecimento vai tomando lugar entre madrinhas, rainhas de bateria e passistas. Diferentes na tonalidade da pele, e na qualidade do samba no pé, todas se fazem semelhantes pelo bumbum de fora pra chuchu, seja ele natural ou turbinado pela indústria da beleza. Parece que vai se tornando comum eleger para musas de diferentes comunidades, as mesmas caras de garota carioca, corpo bom de mulata e sangue bom de branco cruzado nas veias e resultante em pele mais clara, cabelo mais liso...

Aqui as imagens das concorrentes e da musa do caldeirão, para reforçar o meu dito(ou grito?): http://tvglobo.caldeiraodohuck.globo.com/musa-do-carnaval-rj-2010/

Como se cantou nos carnavais que passaram: bandeira branca! Não estou aqui declarando guerra ao branco no samba ou dizendo que samba é patrimônio único e exclusivo de negros. Apenas observo o clareamento das figuras destacas pela mídia como representantes de um carnaval, e de escolas, sustentadas por baterias, baianas, alas da força e das crianças que ostentam traços de uma herança afro predominante no local onde nasceram as agremiações. Eis que a fantasia da passista serve ao oportunismo de candidatas a celebridades que utilizam o carnaval para exibição de atributos que renderão trabalhos posteriores.

Os episódios de exclusão, que tentamos abordar nas aulas da escola, se repetem na história da passarela do samba. Aos que dispensarem algumas horas para ver a folia alheia via TV, reparem, como será comum não ver o grande número de sambistas afrobrasileiras que formam grandes alas das passistas, aplaudidas com entusiamo pela plateia importada, e exportada durante o ano inteiro para divulgar mundo afora um carnaval que desvaloriza suas figuras simbólicas aqui dentro.

O que os programas anteciparam, destacando meninas esculpidas à imagem e semelhança dos famosos, se repetirá na Avenida. Não é de hoje que a transmissão de TV elege, para os closes, esses novos rostos que repetem os velhos modelos de beleza branca agora temperados com preenchimentos, contornos e gingados que definem a imagem o ziriguidum 2010 da passista da cor do Brasil fantasiado de não somos racistas. E nesse sentido, a TV do criador da fantasia, apenas faz sua opção pela melhor estética. É apenas por essa imagem melhor que luzes e câmeras se voltam para flagrar as estrelas do cotidiano, deixando fora de foco rostos anônimos, muitos dos quais representantes das gentes que contruíram a história do carnaval, como a velha baiana que foi passista, brincou em ala e dizem que foi o grande amor do mestre-salas”(Salve Martinho e esse close caption da escrita!)

E na ópera popular e, paradoxalmente, suntuosa do desfile das escolas de samba, ritmistas, passistas e demais figuras populares perdem espaço para os astros, engrossando um coro que passa ao fundo da tela. Entre uma estrela e outra, cortes e closes detalham corpos não brancos e seus sorrisos às vezes desfalcados, outros, muito brancos, talhados na ralação no barracão e na quadra, moldado pelo cansaço e desejo de estar ali e viver a fundo esses minutos de folia, que um dia foram de majestade para os anônimos que hoje pagam com grana ou com suor para que seus corpos, vibração e vozes abasteçam essa farsa-festa com alguma alegria autêntica.